Menina,
Seu boletim do Jardim II veio parar na minha mão durante uma faxina. Ao contrário do que acreditava, teu comportamento não era dos mais exemplares. Sinal de que todo o rigor para ser perfeitinha nunca lhe foi essencial.
Era tudo o que eu precisava saber às vésperas de concluir mais uma volta ao redor do sol. Obrigada, viu?
Desde que me entendo por gente, sou a certinha-boazinha. Adjetivos que carregam a promessa de uma trajetória digna de comercial de margarina.
Desde que me entendo por gente é a autonarrativa de estimação para afirmar quem somos nessa vida. Acho que venho procurando uma nova gramática para falar de mim.
Se mês passado assumi minhas vontades improdutivas, neste recado confesso mais um desejo malvisto: ser mediana.
O boletim da foto ali em cima estava acompanhado de todos os exemplares dos anos letivos no ensino fundamental e médio. Só notão. A encarnação da “Melhor Aluna da Escola”.
Carreguei esse arquétipo para a faculdade e para a esfera profissional. Em algum momento de 2010, a bateria acabou. O burnout veio logo depois.
Olhei para a papelada salpicada de notas azul-caneta-BIC, só lembrava da competição com os colegas, da tensão em não poder falhar e ruir essa imagem de perfeição, de sucesso. Era uma identidade. Ainda é, não vai simplesmente evaporar — mas que eu finalmente taquei todos os boletins no fogo, ah, eu taquei.
Nesse episódio, a jornalista Flávia Oliveira afirma que:
“A gente devia ter o direito de ser mediano, de desistir e, ainda assim, ter uma vida digna. O Brasil não permite isso.”
Até que ponto a busca por excelência é admirável se a pesada maioria de nós a segue porque precisa, não porque quer? Pensa nisso, promete?
A notícia de que Ailton Krenak foi o primeiro indígena eleito para a Academia Brasileira de Letras foi meu presente de aniversário antecipado. O contato com suas ideias tem ajudado a refundar a gramática sobre quem eu sou, quem eu fui e quem eu quero ser.
Não à toa, depois da fogueira de boletins e da confissão acima, ainda esbarrei com essa preciosidade que ele disse:
“A vida não é útil e não deve sê-lo. Por que insistimos em transformar a vida em uma coisa útil? Nós temos que ter coragem de ser radicalmente vivos e não ficar barganhando a sobrevivência.”
Inauguro meus trinta e quatro radicalmente viva.
Obrigada a todos os envolvidos.
♡
Oi querida, apesar de sempre ter sido mediano isto não quer dizer que não fui cobrado pra ser excelente. Mas pra mim era uma impossibilidade. Já que me considerava um gênio, me bastaria prestar atenção às aulas que as notas azuis viriam... Não vinham, mas as cobranças sim e a minha imaturidade dizia que os outros é que estavam errados. Ou seja, nós que tivemos direito à escolha, cada um(a) do seu jeito, fomos beneficiados ou prejudicados pelas escolhas e acho muito bom isso. Rsrs